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OPINIÃO: Os miseráveis


Apesar de o inverno não ser uma das minhas estações prediletas, uma vez que não é para aqueles que trabalham à noite, ele, com certeza, tem seus encantos. Quando criança, na casa da minha avó paterna, tinha fogão a lenha, onde ela colocava minhas botas para esquentar enquanto eu comia pinhão ao redor do fogo. Hábito que ficou no passado, hoje substituído pela lareira, pipoca de micro-ondas e um bom romance para passar o tempo, nas frias tardes e noites dos finais de semana do inverno.

Meu gênero literário predileto é o romance. Prefiro os livros aos filmes, pois minha imaginação viaja solta, criando situações e momentos que, na maioria das vezes, nem mesmo foram escritas e não constam nas páginas do livro. No último final de semana, com dias mais curtos e noites mais longas, fui à busca de Os Miseráveis, de Victor Hugo, atraída pelo filme que passou em um dos canais da Net. Como li o livro há muitos anos, fiquei com vontade de relê-lo, pois achei-o, em alguns aspectos, muito semelhante às questões de nosso cotidiano.

O romance se passa na França do século XIX e retrata, com profundidade, a condição humana em todos os níveis da sociedade, dos nobres aos excluídos. Os personagens denunciam a falta de justiça e a necessidade de construir um mundo melhor. Retratam também o conflito na relação com o Estado, seja pela ação arbitrária do policial Javert ou pela atitude revolucionária de Jean Valjean, obcecado pela justiça.

A falta de justiça social, o conflito com a arbitrariedade estatal, o fazer das ruas um campo de batalha e das barricadas a única proteção possível contra a violência cometida pela lei são temas da França do século XIX, mas que não estão muito distantes do Brasil do século XXI, basta nos reportarmos às notícias dos jornais da última semana: a alta carga tributária, a greve dos caminhoneiros, a obstrução das estradas, o desabastecimento dos mercados e dos postos de combustíveis, a paralisação do transporte coletivo.

As barricadas nas estradas e a paralisação dos transportes não levaram apenas os nossos governantes a repensarem seus atos, mas nos fazem refletir sobre o que realmente está acontecendo com o nosso país. É certo que o movimento dos caminhoneiros mostra a força de uma classe que conseguiu parar o país, mas a qual preço?

Seriam eles os miseráveis na busca de justiça? Ou os miseráveis seriam aqueles que têm que sobreviver com um salário mínimo ou menos, que não têm força para demonstrarem sua indignação e que nos últimos dias acordaram antes das quatro da manhã para irem trabalhar, pois não tinha transporte coletivo?

O tempo passa, mas a forma como os governantes tratam a população não muda. No conflito entre Jean Valjean e Javert, Victor Hugo propõe uma reflexão sobre a justiça, que nem sempre é sinônimo da lei instituída ou do aparato institucional que a representa. E mostra o quanto podemos nos distanciar do que é verdadeiramente justo quando perdemos a capacidade de questionar o mundo em que vivemos.

Às vezes, a ordem e a disciplina devem ser questionadas, pois só assim ocorrerão as mudanças que refletirão a verdadeira justiça, para que - plagiando a música do filme decorrente do romance: I Dreamed a Dream - "... a vida não mate o sonho que sonhei... em um tempo em que não havia preços a serem pagos, nem canção não cantada, nem vinho não provado... quando as esperanças eram grandes e a vida valia ser vivida".

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